Do volante ao subsolo: o que os veículos elétricos reservam para o mercado de metais?

veículos elétricos

* Por Rodrigo Scolaro, economista da GEP Brasil responsável pela análise de metais 

A mobilidade elétrica deixou de ser tendência para se tornar uma realidade que redefine a indústria automotiva. Dados recentes mostram que, entre 2023 e 2025, 75% das importações brasileiras de veículos elétricos vieram da China, consolidando o país asiático como protagonista absoluto no setor. O movimento não é isolado: tanto Europa quanto Estados Unidos enfrentam a mesma avalanche de carros chineses e responderam com aumentos tarifários para proteger suas montadoras locais. No Brasil, a escalada de tarifas — de 10% em 2024 até 35% em 2026 — incentivou que fabricantes chineses antecipassem embarques para garantir presença no mercado. 

Esse dado, embora expressivo, é apenas a face mais visível de um fenômeno maior: a transformação das cadeias de suprimentos de metais estratégicos que sustentam a eletrificação. 

Entre todos os insumos críticos, o cobre ocupa lugar central. Ele é o fio condutor — literal e figurado — da eletrificação: está nos motores, nos cabos, nas estações de recarga e em tecnologias que crescem paralelamente, como inteligência artificial e data centers. 

Em 2024 e no primeiro semestre de 2025, o metal atingiu recordes históricos de preço. As razões foram múltiplas: gargalos na mineração latino-americana, dificuldades de refino em países asiáticos e tarifas norte-americanas que distorceram fluxos de comércio. Mesmo após uma correção nos meses mais recentes, o cobre continua em patamar elevado. 

A leitura predominante é de que a oferta futura será estruturalmente insuficiente. Novos projetos em países africanos podem atenuar o desequilíbrio, mas dificilmente acompanharão o crescimento exponencial da demanda. Por isso, muitos analistas falam em um “superciclo do cobre”, que pode se estender por toda a década. 

Se o cobre é uma certeza, o níquel é um ponto de interrogação. Durante anos, o metal foi tratado como insubstituível para baterias de veículos elétricos, estimulando investimentos bilionários em extração e refino, com destaque para a Indonésia, que se consolidou como epicentro global da produção. 

Atualmente, o avanço das baterias de lítio-ferro-fósforo (LFP) reconfigura esse cenário. Elas dispensam o uso de níquel, são mais baratas e estão ganhando participação acelerada no mercado global. Em 2024, pouco mais da metade das baterias ainda continha níquel, mas a tendência aponta para uma erosão gradual dessa participação. 

Isso cria uma situação paradoxal: ao mesmo tempo em que há um excesso de capacidade produtiva em construção, há dúvidas crescentes sobre a sustentabilidade da demanda futura. O níquel, que parecia ser o “petróleo da eletrificação”, pode perder protagonismo para tecnologias emergentes. 

A corrida por veículos elétricos e metais críticos está também reconfigurando o comércio internacional. O caso brasileiro é ilustrativo: ao anteciparem exportações para escapar de tarifas, montadoras chinesas inflaram o volume de importações, pressionando não só o setor automotivo local, mas também a balança comercial e os custos logísticos. 

Fenômeno semelhante se observa em outras regiões, com uma crescente onda de protecionismo verde. A Europa impôs tarifas extras sobre carros elétricos chineses, os EUA ampliaram barreiras e o Brasil adotou sua própria escada tarifária. O que está em jogo é mais que a proteção de montadoras: trata-se de definir quem controlará as cadeias de valor da eletrificação e, consequentemente, quem colherá os maiores benefícios econômicos da transição energética. 

O Brasil ocupa uma posição ambígua nesse tabuleiro. Como mercado consumidor, já se tornou alvo prioritário da China. Como produtor de recursos minerais, tem potencial de se firmar como fornecedor de insumos críticos, especialmente em cobre e níquel. Mas a equação exige estratégia: sem política industrial clara e sem investimentos em infraestrutura, o país corre o risco de se limitar a receptor passivo de tecnologias e importador de veículos, em vez de protagonista da cadeia. 

O cobre emerge como símbolo do futuro elétrico, enquanto o níquel vê seu destino atrelado às próximas viradas tecnológicas. O Brasil, no cruzamento desses vetores, tem a oportunidade de se posicionar não só como consumidor, mas também como fornecedor estratégico na economia verde global. 

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