Com o avanço das medidas de corte de custos em diversos setores, as demissões voltaram ao centro das discussões corporativas. Mais do que um processo administrativo, os desligamentos mal conduzidos têm provocado efeitos duradouros sobre o equilíbrio emocional dos times e o desempenho das empresas.
A psicóloga e especialista em saúde mental corporativa Jéssica Palin alerta que “demissões sem cuidado podem romper a confiança no ambiente, gerar insegurança e provocar uma tensão emocional persistente no time”. Segundo ela, a forma como uma empresa lida com o desligamento de funcionários define não apenas a reputação da liderança, mas também o engajamento de quem permanece.
Os dados reforçam o alerta. Em 2024, o Brasil registrou mais de 440 mil afastamentos por transtornos de saúde mental, um aumento de 67% em relação ao ano anterior, segundo registros oficiais. O impacto financeiro também é expressivo: além dos custos diretos com rescisões e reposições, empresas enfrentam queda de produtividade, aumento do absenteísmo e enfraquecimento do clima organizacional.
Estudos sobre rotatividade mostram que organizações que conduzem mal os desligamentos sofrem efeitos disfuncionais, como perda de talentos estratégicos e desconfiança generalizada. Em cenários de comunicação falha, surge o fenômeno da “ansiedade coletiva”, quando os colaboradores remanescentes trabalham sob tensão e medo de serem os próximos a sair. “Quem fica passa a trabalhar sob sombra, teme ser o próximo, observa quem saiu e questiona quem gerencia”, explica Palin.
Cultura e o efeito dominó emocional
O modo como as lideranças comunicam cortes influencia diretamente o tecido emocional da empresa. Falta de diálogo, justificativas vagas e ausência de acolhimento abrem espaço para ressentimento e medo. “Desligar pessoas é inevitável em muitos momentos, mas isso precisa ser feito com transparência, empatia e clareza. O risco de não fazer isso é transformar a empresa numa máquina de insegurança emocional”, reforça a especialista.
Quando esse cuidado não existe, o que era um ajuste estratégico pode gerar rupturas profundas. A produtividade cai, a cooperação entre equipes enfraquece e o turnover residual aumenta, com profissionais pedindo demissão não por insatisfação com o cargo, mas por desconfiança no ambiente. Pesquisas de clima organizacional indicam que reconstruir essa confiança pode levar meses e demandar investimento adicional em gestão de pessoas.
Como mitigar o impacto
Para reduzir os danos emocionais pós-desligamento, Jéssica Palin recomenda que as empresas adotem protocolos estruturados de comunicação. Isso inclui avisar os times com antecedência sempre que possível, explicar os critérios das decisões e oferecer mecanismos de acolhimento a quem permanece. “O RH precisa atuar preventivamente, gerando segurança para os remanescentes. Quem ficou precisa entender o propósito da reorganização e ver que não foi desvalorizado no processo”, afirma.
Outras medidas eficazes envolvem promover sessões de apoio psicológico, mediação de conflitos e capacitação de líderes para conduzir devolutivas humanizadas. O monitoramento contínuo de sinais de estresse e queda de engajamento ajuda a prevenir crises silenciosas dentro das equipes.
A fase pós-desligamento é determinante para o futuro da empresa. Companhias que aplicam pesquisas de clima e engajamento logo após os cortes tendem a retomar mais rapidamente o equilíbrio organizacional. Palin conclui: “Se você deixa uma ferida aberta no time que fica, vai pagar o preço da desmotivação e da perda de produtividade por meses. É mais barato e mais humano cuidar disso desde o começo.”



