Quase quatro anos depois de uma onda de paralisações em massa que afetou a indústria automotiva global, uma nova crise no fornecimento de chips e semicondutores já começa a gerar impactos significativos. De acordo com o Auto Esporte, fábricas na Europa registram problemas de produção, e especialistas alertam que o Brasil pode interromper a fabricação de veículos em poucas semanas caso a situação não seja contornada.
Em nota, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) classificou o momento como crítico e destacou a necessidade de mobilização urgente. “Com 1,3 milhão de empregos em jogo em toda a cadeia automotiva, é fundamental que se busque uma solução”, afirma Igor Calvet, presidente da entidade.
Outras entidades do setor, como Abipeças (Associação Brasileira da Indústria de Autopeças) e Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores), também reforçaram a preocupação e enviaram carta ao vice-presidente Geraldo Alckmin, que também lidera o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, solicitando apoio e medidas emergenciais.
Como começou a nova crise
Diferentemente da escassez causada pela pandemia em 2020 e 2021, a atual crise tem origem geopolítica. Em outubro de 2025, o governo holandês assumiu o controle da fabricante Nexperia por motivos relacionados a “propriedade intelectual”. A empresa, que produz semicondutores na Holanda, pertence ao grupo chinês Wingtech.
A China, em resposta, restrigiu a exportação de chips e componentes eletrônicos, impactando mercados globais e elevando o risco de desabastecimento de semicondutores para a indústria automotiva. Segundo a Anfavea, “a crise já afeta a produção em algumas fábricas automotivas na Europa e arrisca parar montadoras no Brasil.”
Quantos chips tem um carro?
Um veículo convencional depende de 1.500 a 2.000 chips, podendo chegar a 3.000 em modelos mais sofisticados. Esses componentes são essenciais para praticamente todos os sistemas do carro:
- Segurança: módulos de controle de airbag, freios ABS, assistência de direção e sistemas do pacote Adas, como controle de cruzeiro adaptativo e frenagem automática.
- Entretenimento e conectividade: rádios, sistemas de navegação, Bluetooth, Apple CarPlay e Android Auto.
- Motor e emissões: gerenciamento do motor, controle de emissões e monitoramento de normas ambientais.
Sem esses semicondutores, funções básicas e avançadas deixam de operar, comprometendo completamente a linha de produção.
Por que a produção corre risco de colapso?
O Brasil é totalmente dependente da importação de chips e não possui alternativas locais ou regionais em escala suficiente. A Ásia continua dominando a produção global, e a China é peça-chave nesse fornecimento.
Milad Kalume Neto, da consultoria K.Lume, explica que “basta faltar um único componente para interromper a linha de montagem. Isso significa parada de produção, perda de empregos, queda nos investimentos e realocação de recursos. Um cenário de perde-perde global, que atinge com força países com base industrial ainda em consolidação, como o Brasil.”
Além da crise geopolítica, a escassez também se agrava devido à prioridade das fabricantes de chips por setores mais lucrativos, como eletrônicos, comunicação sem fio e computadores. A indústria automotiva, por sua vez, fica em segundo plano.
“Produzir chips não é algo que se resolva com velocidade. Uma fábrica leva de três a cinco anos para entrar em operação e exige investimentos bilionários, estimados a partir de US$ 5 bilhões. É uma indústria altamente especializada, que depende de insumos escassos e de domínio tecnológico concentrado em poucos países”, completa Neto.



